31/10/2007

Margarida Lopes de Almeida 1955 "Recital" [Festa LPI 1004]


Na década de 1950 era comum o lançamento de discos com recitais de poesia no Brasil. Alguns destes LPs se tornaram grandes sucessos de vendas, como o “Bilac em Hi-Fi” da gravadora Musidisc, lançado em 1957, com o rádio-ator Floriano Faissal declamando Olavo Bilac, que chegou a estar no topo das paradas, segundo revistas da época. À exemplo da Musidisc, a Odeon e a RGE também colocaram na praça discos explorando este mercado. No entanto, nenhum outro selo foi tão radical quanto o pequeno Festa, fundado pelo jornalista, sonhador e boêmio, Irineu Garcia.

O selo Festa formou um catálogo tão impressionante quanto numeroso, com registros históricos das vozes e da obra de autores como Carlos Drummond de Andrade, Manuel Bandeira, Vinicius de Moraes, Cecília Meirelles, Guilherme de Almeida, Olegário Mariano, Menotti Del Picchia, Jorge Amado, Pablo Neruda... A lista é longa. Além dos próprios autores declamando seus poemas, os discos da gravadora Festa também destacavam atores conhecidos como Margarida Lopes de Almeida, Paulo Autran e outros. Um LP lançado por João Villaret, ator muito famoso na época, se destacou entre as vendagens do selo e fez enorme sucesso. O que talvez tenha incentivado Irineu a expandir sua gravadora e se aproximar da música. Seguindo o alto padrão de qualidade que buscava para seus discos, editou obras eruditas brasileiras e aos poucos foi se enamorando da música popular.

Conta o amigo Dorival Caymmi que: “o Irineu [Garcia] fazia aquilo por paixão, procurando artistas novos pela noite...” Apaixonado e convivendo com o meio desde os anos 40, Irineu não tardou a perceber que a produção musical no Brasil de sua época era algo de genial. “O interesse dele voltou-se para Elizete Cardoso, mas aí João Gilberto nem era conhecido ainda...” - continua Dorival. No entanto, através de Vinicius de Moraes, Irineu Garcia colocou pela primeira vez em um mesmo estúdio Antônio Carlos Jobim, João Gilberto e Elizeth Cardoso para registrarem “Canção do Amor Demais” [1958 Festa LDV 6002], disco considerado divisor de águas na história da nossa música.

O selo Festa ainda editou dois LPs fantásticos da cantora Lenita Bruno, ao lado da orquestra de seu marido, o grande maestro e pianista Leo Peracchi, e entre outros, colocou na praça discos de artistas fundamentais como Radamés Gnattali, Vadico e Nicolino Cópia.

Aqui temos Margarida Lopes de Almeida, atriz e declamadora, filha do casal de escritores Júlia Lopes de Almeida e Filinto de Almeida - estão entre os fundadores da Academia Brasileira de Letras -, interpretando poemas brasileiros com as inflexões vocais típicas da época, em dois “estilos” diferentes. No lado A: poesia digamos mais “tradicional”, representada por nomes do passado como Martins Fontes - na lúgubre e fantástica descrição da cidade de São Paulo em “Serenata”, e Olavo Bilac - com o famoso “Via Láctea”: “...amai para entendê-las, pois só quem ama pode ter ouvido capaz de ouvir e entender estrelas.” No mesmo “espírito” estão Raul Machado, Afonso Lopes de Almeida [irmão de Margarida] e Artur de Sales - em “A Música dos Bilros” foram incluídos ruídos típicos destes pequenos instrumentos de madeira usados pelas rendeiras, em uma tradição secular que perdura do Brasil colônia e ainda pode ser encontrada em comunidades mais ou menos isoladas, distribuídas pelo nordeste e especialmente na Ilha de Santa Catarina, na cidade de Florianópolis.

Já o lado B é preenchido por uma poesia um bocado mais “moderna”: com Cecília Meireles, Carlos Drummond de Andrade, Mário Quintana, Guilherme de Almeida e Manuel Bandeira. “Há nos versos qualquer coisa que vai diretamente à emoção do ouvinte; este não tem tempo de ligar idéias, perceber intenções, as quais só na leitura pode com vagar apreender. A poesia ouvida tem de ser sentida imediatamente; é necessário que o poema impressione, seja pelo efeito da voz, seja pela possibilidade de efeitos plásticos que o intérprete ponha em jogo na representação”. Escreveu a artista Margarida Lopes de Almeida na contra capa deste pequeno LP em 10 polegadas lançado pelo extraordinário selo Festa em 1955, selo criado pelo sonhador Irineu Garcia que se preocupava até mesmo em creditar os artistas que faziam suas capas, nomes como Lígia Clark, Di Cavalcanti..., aqui: Athos Bulcão, com fotografia de Hess.


Recital de Margarida Lopes de Almeida
1955 Festa [LPI 1004]


01 Via Láctea [Olavo Bilac]
02 Serenata [Martins Fontes]
03 Póstuma [Raul Machado]
04 Ciranda [Afonso Lopes de Almeida]
05 A Música dos Bilros [Artur de Sales]
06 Romance de Nossa Senhora da Ajuda [Cecília Meireles]
07 Passagem da Noite [Carlos Drummond de Andrade]
08 Canção Balet [Mário Quintana]
09 Velocidade [Guilherme de Almeida]
10 Os Sinos [Manuel Bandeira]

14 comentários:

Anônimo disse...

Excelente LP!!

Caramba, esse disco mudou minha concepção de leitura de poesias, fiquei impressionado com a virtuosidade dela.
Você tem outros discos da Margarida Lopes ou outros discos do precioso selo Festa?

Abraço,
Alexandre

Thiago Mello disse...

Alexandre, realmente este é um disco incrível! Também me impressionei... Tenho outros discos da Festa, prometo postar logo mais um, mas infelizmente da Margarida só conheço este. Um grande abraço.

R.Scholl disse...

Thiago,

é um prazer indizível escutar uma "diseuse" do quilate da Margarida Lopes de Almeida, espero que nos dê outros presentes como essas gravações tão raras e significativas como as do selo Festa .

Anônimo disse...

Por gentileza, coloque mais LPs de poesia. Estes discos históricos são fantásticos!

Thiago Mello disse...

Amigos raphael e elson fróes, meu muito obrigado, fico realmente feliz que vocês tenham gostado, afinal não são muitos os que se interessam por poesia hoje em dia... Com certeza! Estamos preparando mais discos do selo Festa, esse é um pedido que fazemos questão de atenter! Um grande abraço.

Poesia disse...

Vivas!!! Muito obrigado, Thiago, por este maravilhoso. E, aproveitando de sua generosidade, gostaria muito de ouvir o disco de Cecília Meireles. Deve ser fantástico! Você tem?

Thiago Mello disse...

Isaiah Junior, muito obrigado!!
Em breve mais um disco do selo Festa será postado, é só ficar de olho aqui...
O blog Toque-Musical possui excelente acervo de discos de poesia, vários do selo Festa, e inclusive o da Cecília Meireles, voce pode acha-los aqui:
http://toque-musical.blogspot.com/search/label/Poesia

isa disse...

thiago,
parabens pelo trabalho!
nunca tinha ouvido a margarida, adorei ouvir!
temos programas de recitais dela realizados aqui no conservatório de música de pelotas, e fotos também, se quiseres posso enviar.
vou divulgar teu trabalho no blog.
abraços,
isabel.

Thiago Mello disse...

Isa puxa vida!!! Entre em contato comigo por email: thiagofmello@hotmail.com
Maravilha saber que vocês conservam este material!
Um grande abraço!

Penetra surdamente no reino das palavras... disse...

Eu tive contato com este disco aos 15 anos e nunca mais me esqueci. Hoje resolvi buscar algo sobre a Margarida Lopes de Almeida e, qual não foi minha surpresa, encontrá-la aqui. Muito obrigado. Trata-se de uma homenagem a esta talentosíssima declamadora a transmissao de seu trabalho. Temos agora a certeza de que sua arte vai encantar muito mais gente.

Penetra surdamente no reino das palavras... disse...

Eu tive contato com este disco aos 15 anos e nunca mais me esqueci. Hoje resolvi buscar algo sobre a Margarida Lopes de Almeida e, qual não foi minha surpresa, encontrá-la aqui. Muito obrigado. Trata-se de uma homenagem a esta talentosíssima declamadora a transmissao de seu trabalho. Temos agora a certeza de que sua arte vai encantar muito mais gente.

juan angel italiano disse...

Fabuloso disco y por los comentarios anteriores un gran rescate!

Saludos desde Uruguay

Unknown disse...

Thiago, sou pesquisadora e gostaria de falar com você. Você poderia passar seu e-mail, por favor? Obrigada! E desculpe-me pela amolação!

Unknown disse...

Uau!
Estava fazendo uma pesquisa sobre a Júlia Lopes de Almeida e, como uma coisa leva a outra, fui pesquisar a filha dela (que também fazia leituras dramáticas dos contos de terror da mãe, especialmente de "As Rosas"). A Margarida é uma figura interessante que viajou pela África na primeira metade do século XX e escreveu alguns livros quase impossíveis de se achar, hoje em dia - a maioria só pode ser encontrada em bibliotecas de universidades americanas, por algum motivo - e não esperava acabar ouvindo a voz dessa filha!
Muito obrigado!