Já foi dito que o Brasil é um país de cantores. Olhando para trás, no caleidoscópio histórico dos grandes ídolos da voz, temos a confirmação. A introdução do rádio e sua grande influência na vida das pessoas tornaram possível o surgimento de fenômenos de popularidade em massa - alguns deles com a aura de “vozes de ouro” do rádio. Eram tempos em que a produção podia ser permeada pela qualidade artística do que se ouvida nos aparelhos. Nenhuma destas vozes porém teve o mesmo efeito no coração brasileiro como a voz , digamos, fenomenal de Francisco Alves. Ele foi o primeiro grande ídolo do rádio e do disco, esteve presente na formação do teatro e do cinema por aqui. Sem intenção, criou uma escola de influência direta em todo o desenvolvimento da música brasileira. Foi um artista de ouvido apurado, afinação e timbres perfeitos e de bom gosto impecável. Compositor importante, ao lado das boas histórias de que “inventava” parcerias, ou mesmo as comprava, há também provas que ele realmente chegou a alterar tempos, compassos e corrigir as composições de seu agrado sem pedir participação na edição. Há também histórias envolvendo sua relação por vezes autoritária com seus “colaboradores”, como os amigos e companheiros de boemia Noel Rosa e Ismael Silva. Menino pobre, Francisco Alves foi engraxate, cresceu trabalhando em uma fábrica de chapéus, convivendo com boêmios e sambistas. Não assinava contratos, preferindo empenhar a palavra, era admirado por todos os seus colegas de profissão e ganhou o apelido de “Chico Viola, o Rei da Voz”.
Mesmo tendo iniciado a trajetória artística um tanto depois, foi Mário Reis quem primeiro colocou a cadência necessária ao samba, mais tarde absorvida por Chico. No texto de contra capa deste disco, Lúcio Rangel afirma: “apesar de mais novo em idade e em arte, foi Mário Reis quem exerceu influencia sobre a maneira de cantar de seu companheiro mais velho, como aliás, sobre todos os cantores da época, que moderaram os seus impulsos para o bel canto e passaram a pronunciar as palavras, interpretando dentro do ritmo exigido.” Levado pelo compositor Sinhô aos estúdios, Mário Reis teve também grande sucesso e deixou gravações históricas.
A gravadora Odeon valendo-se da amizade entre seus maiores cantores, lançou uma série de discos em 78 rotações com eles cantando em dueto. Era o início dos anos 30 e o resultado foi pouco mais de 11 discos antológicos. Além das duas vozes distintas que interagem entre si criando efeitos inesperados, a música que as acompanha não é menos sublime. Segundo Lúcio Rangel, os conjuntos “eram todos eles constituídos pelos mesmos músicos, alguns dos melhores da época: o pistonista Djalma, o trombonista Ismerino Cardoso, o pianista Romualdo Peixoto [Nonô], o baterista Walfrido Silva, o violonista Arthur Nascimento [Tute] e Luperce Miranda, mestre do cavaquinho e do bandolin. Outros instrumentistas estão presentes mas os que enumeramos eram constantes em todos os conjuntos que acompanhavam a dupla. O discófilo de ouvido apurado poderá reconhecer no côro, em diversos números, as vozes de Noel Rosa, Ismael Silva e Nilton Bastos.” Incrível... Logo após as primeiras gravações da dupla, um conjunto chamado “Ases do Samba” foi criado pelos dois cantores mais Lamartine Babo. Com este grupo, sem Lamartine, porém com Nonô, Noel Rosa e o bandolinista Peri Cunha, partiram em Março de 32 para uma excursão ao sul do país, se apresentando com grande êxito em Curitiba, Porto Alegre, e até mesmo em Florianópolis.
Este disco de 10 polegadas, lançado em 1955, reúne algumas destas gravações. Sambas e marchas eternos como “Formosa” de Nássara e J. Ruy, “Se Você Jurar” de Francisco Alves, Ismael Silva e Nilton Bastos e “Fita Amarela” de Noel Rosa. Sambas que foram famosos na época, como “Estamos Esperando” de Noel Rosa, “Mas Como... Outra Vez?” de Noel em parceria com Francisco Alves, num belo arranjo que começa como marcha e termina como um fox irado; e minha favorita “Tudo Que Você Diz” uma bela e moderna melodia de Noel Rosa, ainda mais realçada pelas vozes de Mário Reis e Francisco Alves. Há ainda “Marchinha do Amor” de Lamartine Babo e mais dois sambas do trio Francisco Alves, Ismael Silva e Nilton Bastos: “Não Há” e “Arrependido”. É uma grande alegria disponibilizarmos este disco, como escreveu Lúcio Rangel: “Francisco Alves e Mário Reis, a maior dupla de cantores da nossa música popular, anos depois de gravarem seus históricos discos, continuam a despertar a mesma emoção, a mesma alegria, tal encanto de suas interpretações, tal beleza que sabiam imprimir aos números que, em boa hora, registraram para a posteridade.”
Os Duetos de Francisco Alves e Mário Reis
1955 Odeon [MODB 3075]
01 Marchinha do Amor [Lamartine Babo] marcha 1931
02 Fita Amarela [Noel Rosa] samba 1932
03 Formosa [Nássara, J. Ruy] marcha 1932
04 Se Você Jurar [Francisco Alves, Ismael Silva, Nilton Bastos] samba 1930
05 Mas Como... Outra Vez? [Francisco Alves, Noel Rosa] marcha 1932
06 Arrependido [Francisco Alves, Ismael Silva, Nilton Bastos] samba 1931
07 Estamos Esperando [Noel Rosa] samba 1932
08 Tudo Que Você Diz [Noel Rosa] samba 1932
09 Não Há [Francisco Alves, Ismael Silva, Nilton Bastos] samba 1930